Páginas Flauteantes
Princípios dos Milagres em UCEM
Do Bem e o Mal (Gibran)
E ele respondeu: "Do bem que está em vós, poderei falar, mas não do mal. Pois que é o mal senão o próprio bem torturado por sua fome e sede?
Em verdade, quando o bem sente fome, procura alimento até nos antros escuros, e quanto sente sede, desaltera-se até em águas estagnadas.
Vós sois bons quando vos identificais com vós mesmos. Mas não sois maus quando deixais de vos identificar com vós mesmos.
Pois a casa que se divide não se torna antro de ladrões: é, apenas, uma casa dividida.
E um navio sem leme pode vaguear sem rumo entre recifes perigosos, e não se afundar.
Vós sois bons quando vos esforçais por dar de vós próprios. Mas não sois maus quando vos limitais a procurar o lucro. Pois, quando lutais pelo lucro, sois simplesmente raízes que se agarram a terra e lhe sugam o seio.
Certamente, a fruta não pode dizer à raiz: "Sê como eu, madura e plena, e sempre generosa de tua abundância."
Pois, para a fruta, dar é uma necessidade como, para a raiz, receber é uma necessidade.
Vós sois bons quando falais plenamente acordados. Porém, não sois maus quando adormeceis enquanto vossa língua tartamudeia sem propósito: Mesmo um discurso gaguejante pode fortalecer uma língua débil.
Vós sois bons quando andais rumo a vosso objetivo, firmemente e com passos intrépidos. Porém, não sois maus quando ides coxeando: Mesmo aqueles que coxeiam não andam para trás. Mas vós que sois fortes e velozes, guardai-vos de coxear por complacência na presença dos coxos.
Vós sois bons de inúmeras maneiras, e não sois maus quando não sois bons: Estais apenas ociosos e indolentes. Pena que as gazelas não possam ensinar a velocidade às tartarugas!
Na vossa ânsia pelo nosso Eu-gigante está vossa bondade; e essa ânsia está em todos vós. Mas em alguns, essa ânsia é uma torrente que se precipita impetuosamente para o mar, carregando os segredos das colinas e as canções da floresta;
Em outros, é uma corrente preguiçosa que se perde em meandros e serpenteia. arrastando-se, antes de atingir a costa.
Mas que aquele que muito deseja se guarde de dizer àquele que pouco deseja: "Por que és lento e atrasado?"
Pois o verdadeiramente bom não pergunta ao desnudo: "Onde está tua
roupa?" nem ao desabrigado: "Que aconteceu à tua casa?"
Preenchido com seu próprio Ser
Basta fechar seus olhos, e enquanto o vento estiver passando através da árvore provocando um farfalhar das folhas, sinta que você também é como uma árvore, aberto, e o vento está soprando através de você – não pelo seu lado, mas direto através de você.
O farfalhar da árvore penetrará em você, e você sentirá que o ar está passando por cada poro de seu corpo. Está realmente passando através de você. Isso não é só imaginação, é um fato – você esqueceu.
Você não está só respirando pelo nariz, você está respirando através do corpo todo – por cada poro dele, por milhões de poros.Se lhe for permitido respirar através do nariz, mas todos os poros de seu corpo estiverem fechados, você irá morrer dentro de três horas. Você não pode ficar vivo respirando somente pelo nariz.
Cada célula de seu corpo é um organismo vivo, e cada célula está respirando. O ar está realmente passando através de você, mas você perdeu o contato. Portanto, sente-se sob uma árvore e sinta.
No princípio irá parecer imaginação, mas logo se tornará uma realidade. É uma realidade – que o ar está passando através de você. Então se sente sob o sol nascente, e não somente sinta que os raios do sol estão lhe tocando, mas que eles estão penetrando em você e passando através de você, assim você fica vulnerável, você começa a sentir-se aberto.
O ego é a barreira. Quando você sente que você é, você é tanto que nada pode lhe penetrar. Você está preenchido com seu próprio ser. Quando você não é, então tudo pode passar através de você. Você se tornou tão vasto que mesmo o divino pode passar através de você.
Toda a existência agora está pronta para passar através de você, porque você está preparado. Assim toda a arte da religião é como não ser, como se dissolver, como se render, como se tornar um espaço aberto.
Algo eterno e esquecido
Nós apenas nos esquecemos; é só uma questão de lembrarmos. Está lá, no centro de nosso ser.
Tudo o que temos a fazer é ir fundo, mergulhar no fundo de nosso ser e ver, perceber, reconhecer.
Portanto, a jornada não é exatamente uma jornada. Não vamos a lugar algum. Só temos de nos sentar em silêncio e ser.
Primeiro a rosa do coração tem de se abrir...
Você não pode dar algo que não tem, só pode dar aquilo que já tem. Se a rosa interior não se abre, todo seu amor nada mais é que palavras. Se a rosa interior se abre, não há necessidade de dizer coisa alguma, nenhuma palavra é necessária. A fragrância em si basta para transmitir a mensagem.
Não importa o lugar em que você esteja ou a pessoa que lhe faça companhia, o amor irradia, pulsa, torna-se uma dança constante de energia ao redor. Mas, primeiro, a rosa do coração tem de se abrir — e ela só pode se abrir se você suprir a necessidade básica, que é a bem-aventurança.
As pessoas amam por desespero. Essa é a coisa mais impossível, não pode acontecer pela própria natureza da existência, não é possível.
As pessoas amam porque estão tristes. Elas procuram o outro porque estão solitárias, e o amor só é possível quando você é feliz. O amor só é possível quando você não se sente sozinho, e sim quando está sozinho; quando você não está chateado consigo mesmo, mas encantado, extasiado consigo.
A meditação ajuda você a ser bem-aventurado... E esta é a corrente: a meditação o deixa bem-aventurado, a bem-aventurança ajuda a rosa do coração a se abrir, e o amor então vem naturalmente, assim como a fragrância vem da rosa.
Como você pode saber se alguém realmente lhe ama?
Existem três camadas no indivíduo humano: sua fisiologia, o corpo; sua psicologia, a mente; e seu ser, seu eu eterno. Amor pode existir em todos os três planos, mas suas qualidades serão diferentes.
No plano da fisiologia, do corpo, é simples sexualidade. Você pode chamar isso de amor, porque a palavra 'amor' parece ser poética, bela. Mas noventa e nove por cento das pessoas estão chamando o sexo delas de amor. Sexo é biológico, psicológico. Sua química, seus hormônios – tudo que é material está envolvido nisso.
Você se apaixona por um homem ou por uma mulher. Você pode descrever exatamente porque essa mulher lhe atraiu? Certamente você não pode ver o eu dela, você ainda nem viu seu próprio eu. Você também não pode ver a psicologia dela, porque para ler a mente de alguém não é uma tarefa fácil. Então o que é que você viu nessa mulher?
Alguma coisa na sua fisiologia, na sua química, nos seus hormônios, se sente atraído pelos hormônios, pela fisiologia, pela química da mulher. Isso não é um caso de amor; isso é um caso químico. Pense bem: a mulher por quem você se apaixonou vai ao médico, muda de sexo, deixa a barba e o bigode crescerem. Você ainda fica apaixonado por ela? Nada mudou, somente a química, os hormônios. Para onde foi seu amor?
Somente um por cento das pessoas conhece um pouco mais profundamente. Poetas, pintores, músicos, dançarinos, cantores têm uma sensibilidade que faz com que eles possam sentir além do corpo. Eles podem sentir as belezas da mente, as sensibilidades do coração, porque eles próprios vivem nesse plano.
Lembre-se que isso é uma regra básica: onde quer que você viva, você não pode ver além disso. Se você vive no seu corpo, se você pensar que é somente seu corpo, você só pode ser atraído pelo corpo de alguém. Esse é o estágio fisiológico do amor.
Porém, um músico, um poeta, vivem num plano diferente. Ele não pensa, ele sente. E devido a que ele vive no coração dele, ele pode sentir o coração de outra pessoa. Isso é geralmente chamado de amor. Isso é raro. Estou dizendo talvez somente um por cento, de vez em quando.
Por que muitos não estão se movendo para o segundo plano se este é tremendamente belo? Mas há um problema: qualquer coisa muito bonita é também muito delicada. Não é um objeto duro, é feito de vidro muito frágil. E uma vez que um espelho cai e se quebra, então não há como reuni-lo novamente.
As pessoas temem se envolverem muito e alcançar as delicadas camadas do amor, porque nesse estágio o amor é tremendamente belo mas também tremendamente mutante.
Sentimentos não são pedras, são como rosas. É melhor ter uma rosa de plástico, porque ela estará sempre lá e todo dia você pode banhá-la e ela estará fresca. Você pode colocar algum perfume francês nela. Se a cor dela desaparecer você pode pintá-la novamente. Plástico é uma das coisas mais indestrutíveis no mundo. Ela é estável, permanente; assim as pessoas param no fisiológico. É superficial, mas é estável.
Poetas e artistas são conhecidos por se apaixonarem todos os dias. O amor deles é como uma rosa. Enquanto está presente ela é tão perfumada, tão viva, dançando ao vento, na chuva, no sol, declarando suas belezas. Mas à noite ela se vai, e você não pode fazer nada para impedir isso.
O mais profundo amor do coração é somente como uma brisa que chega no seu quarto, traz sua frescura, serenidade, e então se vai. Você não pode segurar o vento em suas mãos. Bem poucas pessoas são tão corajosas para viver de momento a momento, uma vida mutante. Daí, elas decidirem se entregarem a um amor do qual elas possam depender.
Eu não sei que tipo de amor você conhece – muito provavelmente o primeiro tipo, talvez, o segundo tipo. E você teme que se você alcançar seu ser, o que acontecerá ao seu amor? Certamente ele se vai – mas você não será um perdedor. Um novo tipo de amor irá surgir o qual, talvez, só acontece a uma pessoa em milhões. Esse amor só pode ser chamado de amorosidade.
O primeiro amor deve ser chamado de sexo. O segundo amor deve ser chamado de amor. O terceiro deve ser chamado de amorosidade – uma qualidade, não direcionada – não possessiva e que não permite ninguém mais lhe possuir. Essa qualidade amorosa é uma revolução tão radical que mesmo concebê-la é muito difícil.
Jornalistas têm me perguntado: "Por que tem tantas mulheres aqui?". Obviamente, a questão é relevante, e eles ficam chocados quando lhes respondo. Eles não estavam preparados para a resposta. Eu disse a eles: "Sou um homem". Eles olharam para mim, incrédulos.
Eu disse: "É natural que muito mais mulheres estejam aqui, pela simples razão de que tudo que elas conheceram na vida delas foi sexo, ou em raros casos, talvez alguns momentos de amor. Mas elas nunca chegaram a conhecer o sabor da amorosidade". Eu disse para esses jornalistas: "Mesmo os homens que vocês vêem aqui desenvolveram muitas qualidades femininas neles que estavam reprimidas pela sociedade exterior".
Desde o princípio é dito a um menino: "Você é um menino, não uma menina. Comporte-se como um menino! Lágrimas caem bem numa menina, mas não para você. Seja macho". Assim todo menino vai eliminando suas qualidades femininas. E tudo que é belo é feminino.Então finalmente o que resta é somente um animal selvagem. Toda a função dele é reproduzir filhos.
A menina não é permitida ter qualquer coisa com qualidades masculinas. Se ela quiser subir numa árvore ela será impedida imediatamente: "Isso é para meninos, não para meninas!" Estranho! Se a menina possui o desejo de subir na árvore, isso é prova suficiente para ela ter permissão.
Todas as sociedades criaram roupas diferentes para os homens e para as mulheres. Isso não está certo; porque todo homem é também uma mulher. Ele veio de duas fontes: o pai e a mãe. Ambos contribuíram para seu ser. E toda mulher é também um homem. Nós destruímos ambos.
A mulher perdeu toda a coragem, aventura, raciocínio, lógica, porque essas são tidas como qualidades masculinas. E o homem perdeu a graça, sensibilidade, delicadeza. Ambos se tornaram metades. Esse é um dos maiores problemas que temos que resolver – pelo menos para nosso povo.
Meus sannyasins precisam ser ambos: metade homem, metade mulher. Isso os tornará mais ricos. Eles irão ter todas as qualidades que estão disponíveis aos seres humanos, não apenas a metade.
No nível do ser, você simplesmente tem uma fragrância de amorosidade.
Os jornalistas me perguntaram: "Você ama Sheela?". Eu disse: "É claro. Mas eu amo tantas mulheres que nem mesmo sei o nome delas. E não somente mulheres – amo tantos homens, porque eles também são metade mulher". Em um milhão de sannyasins ao redor do mundo, eu não posso apontar para uma só pessoa e dizer: "Essa é a pessoa que amo".
Só posso dizer: "Eu amo". Quem quer que esteja pronto para receber meu amor... está disponível. Então não tenham receio.
Seu medo está certo: o que você tem como amor irá embora, mas o que virá no lugar é imenso, infinito. Você será capaz de amar sem ficar apegado. Você será capaz de amar muitas pessoas porque amar uma pessoa só é manter a si mesmo pobre. Uma pessoa pode dar uma certa experiência de amor, mas amar muitas pessoas...
Você ficará surpreso que cada pessoa lhe dá um novo sentimento, uma nova canção, um novo êxtase. Consequentemente, sou contra o casamento. Na minha visão, casamentos na comuna devem ser dissolvidos. Pessoas podem viver juntas por toda a vida se quiserem, mas isso não é uma necessidade legal.
Pessoas devem se movimentar, ter tantas experiências de amor quanto possível. Não devem ser possessivos. Possessividade destrói o amor. E eles não devem ser possessivos porque isso novamente destrói ser amor.
Todos os seres humanos são dignos de serem amados. Não há nenhuma necessidade de ficar acorrentado a uma pessoa por toda sua vida. Essa é uma das razões do porquê todas as pessoas ao redor do mundo parecem tão entediadas.
Porque elas não podem sorrir como você? Porque elas não podem dançar como você? Elas estão acorrentadas com correntes invisíveis: casamento, família, marido, esposa, filhos. Elas estão sobrecarregadas com todo tipo de deveres, responsabilidades, sacrifícios. E você quer que eles sorriam e dancem e se alegrem? Você está pedindo o impossível.
Torne o amor das pessoas livre, torne as pessoas não-possessivas. Mas isso só pode acontecer se na sua meditação você descobrir o seu ser. Não é nada para se praticar. Não estou lhes dizendo: "Hoje à noite você procure uma outra mulher apenas para praticar". Você não irá conseguir coisa alguma e você pode perder sua esposa. E pela manhã você vai parecer tolo.
Isso não é uma questão de praticar, é uma questão de descobrir o seu ser. A qualidade da amorosidade impessoal segue a descoberta de seu ser. Assim você simplesmente ama.
E isso vai se espalhando. Primeiro, nos seres humanos, depois nos animais, pássaros, árvores, montanhas, estrelas. Um dia chega quando todo esse universo é seu amado. Esse é o nosso potencial. E qualquer um que não estiver realizando isso está desperdiçando sua vida.
Sim, você terá que perder algumas coisas, mas são coisas sem valor. Você estará ganhando tanto que você nunca pensará novamente no que você perdeu. Uma pura amorosidade impessoal que possa penetrar no ser de qualquer um – esse é o resultado da meditação, do silêncio, do mergulhar profundo dentro de seu próprio ser. Estou simplesmente tentando lhe persuadir. Não tenha medo de perder o que você tem.
A única coisa que nunca morre
Essa é a única coisa em que você pode confiar, a única coisa que nunca morre.
Esta é a única coisa que você pode chamar de seu próprio ser.
O Mestre Zen e o Terremoto
Aconteceu que um mestre Zen foi chamado como convidado. Alguns amigos haviam se reunido e estavam comendo e conversando quando, de repente, houve um terremoto. O prédio em que eles estavam era um prédio de sete andares, e eles estavam no sétimo andar, então a vida estava em perigo.
Todo mundo tentou escapar. O anfitrião, correndo, olhou para ver o que tinha acontecido com o mestre. Ele estava ali sem sequer uma ruga de preocupação no rosto. Com os olhos fechados, ele estava sentado em sua cadeira da mesma maneira que estava sentado antes.
O anfitrião sentiu-se um pouco culpado, sentiu-se um pouco covarde; não fica bem que o hóspede fique sentado e o anfitrião fuja. Os outros, os outros vinte hóspedes, já tinham descido as escadas, mas ele parou, embora estivesse tremendo de medo, e se sentou ao lado do mestre.
O terremoto chegou e passou, o mestre abriu os olhos e retomou a palestra que, por causa do terremoto, havia interrompido. Ele continuou novamente, exatamente na mesma frase – como se o terremoto não tivesse acontecido.
O anfitrião estava agora sem vontade de ouvir, não estava com disposição de entender porque todo o seu ser estava muito perturbado e ele estava com muito medo. Mesmo que o terremoto já tivesse ido embora, o medo ainda estava lá.
Ele disse: “Agora não diga nada, porque não serei capaz de compreender, não sou mais o mesmo. O terremoto me perturbou muito. Mas há uma pergunta que eu gostaria de fazer. Todos os outros hóspedes haviam escapado, eu também estava na escada, já quase correndo, quando de repente me lembrei de você. Vendo você aqui sentado com os olhos fechados, sentado tão tranquilo, tão imperturbável, me senti um pouco covarde – sou o anfitrião, eu não deveria correr. Então voltei e estou aqui sentado ao seu lado. Gostaria de fazer uma pergunta. Nós todos tentamos fugir. O que aconteceu a você? O que você me diz sobre o terremoto?”
O mestre disse: “Eu também fugi, mas você fugiu para fora, eu fugi para dentro. Sua fuga é inútil porque para onde quer que você esteja indo lá também há um terremoto, então é sem sentido, não faz sentido. Você pode alcançar o sexto andar ou quinto ou o quarto, mas lá também há um terremoto. Eu fugi para um ponto dentro de mim onde nenhum terremoto jamais chega, não pode chegar. Entrei em meu centro.
Isso é o que Lao Tzu diz: “Agarre-se firmemente ao princípio da Quietude”. Se você é passivo, aos poucos vai se tornar consciente do centro dentro de você. Você o tem carregado o tempo todo, ele sempre esteve aí, só que você não sabe, não está alerta.
Uma vez que você fique alerta sobre ele, a vida em sua totalidade se torna diferente. Você pode permanecer no mundo e fora dele porque você está sempre em contato com o seu centro. Você pode passar por um terremoto e permanecer imperturbável porque nada toca você.
No Zen eles têm um ditado que diz que um mestre Zen que tenha alcançado o seu centro interior pode passar por um riacho, mas a água nunca toca seus pés. Isso é belo. Não quer dizer que a água nunca toca seus pés – a água vai tocá-los -, refere-se a algo sobre o mundo interior, o profundo interior. Nada o toca, tudo permanece fora, na periferia, e o centro permanece intocado, puro, inocente, virgem.
Morte (H. Rohden)
Outra ideia errônea a respeito da morte é que a separação entre corpo e alma seja acompanhada de grandes sofrimentos. A separação é, quase sempre, um processo indolor, uma suave letargia, uma tranquila e progressiva dormência, um imperceptível deslizar para uma região penumbral de crescente inconsciência.
O que faz da morte uma “agonia”, isto é, uma “luta” não é morte em si mesma, mas esse acervo de erros e superstições que em torno dela se tem acumulado no correr de séculos e milênios. O apego excessivo a bens ou pessoas da Terra, e, sobretudo, o cortejo sinistro de horrores que certas religiões criaram em torno do processo natural da transição desta para outra zona de existência, o juízo de Deus, as penas do inferno ou do purgatório – tudo isso converteu um evento natural em sinônimo de angústias e incertezas.
As Queixas (E. Tolle)
Queixar-se é uma das estratégias prediletas do ego para se fortalecer. Cada reclamação é uma pequena história que a mente cria e na qual acreditamos inteiramente. Não importa se ela é feita em voz alta ou apenas em pensamento. Alguns egos que talvez não tenham muito mais com o que se identificar sobrevivem apenas com queixas. Quando estamos presos a um ego assim, reclamar, sobretudo de alguém, é habitual e, é claro, inconsciente, o que mostra que não sabemos o que estamos fazendo. Uma atitude típica desse padrão é aplicar rótulos mentais negativos às pessoas, seja na frente delas ou, como é mais comum, falando sobre elas com alguém ou apenas pensando nelas. Xingar é o modo mais rude de atribuir esses rótulos e de mostrar a necessidade que o ego tem de estar certo e triunfar sobre os outros: idiota, desgraçado, prostituta, todas essas afirmações sobre as quais não se pode argumentar. No nível seguinte, descendo pela escada da inconsciência, estão os gritos. Não muito abaixo disso se encontra a violência física.
Veja se você consegue capturar, ou melhor, perceber, a voz na sua cabeça – talvez no exato instante em que ela está reclamando de algo – e reconhecê-la pelo que ela é: a voz do ego, não mais que um padrão condicionado, um pensamento. Sempre que a observar, compreenderá que você não é ela, e sim aquele que tem consciência dela. Na verdade, você é a consciência que está consciente da voz. Atrás, em segundo plano, está a consciência. À frente, se situa a voz, aquele que pensa. Dessa maneira, você estará se libertando do ego, livrando-se da mente não observada. No momento em que você se torna consciente do ego, a rigor ele não será mais o ego, e sim um velho padrão mental condicionado. O ego implica em inconsciência. Ele e a consciência não podem coexistir. O velho padrão mental, ou hábito mental, pode sobreviver e se manifestar por um tempo porque tem o impulso de milhares de anos de inconsciência humana coletiva atrás de si.
No entanto, toda vez que é reconhecido, ele se enfraquece.
Quando como, como. Quando durmo, durmo.
Certa vez, muito intrigado, um discípulo abordou seu velho mestre:
- Como o senhor, de idade tão avançada, parece ainda mais novo do que nós? Como pode estar sempre tão bem disposto e alegre?
A resposta veio em seguida, mas naquele tom calmo, comum aos sábios, ondulante e com todas as pausas:
- Quando eu como, eu como. Quando eu durmo, eu durmo.
“Uma das principais causas do fracasso no mundo é a falta de concentração. A atenção é como a luz de uma lanterna: quando seus raios são espalhados em uma vasta área, sua habilidade de focalizar um único objeto se torna fraca, mas se focalizado em uma coisa de cada vez, torna-se poderosa. Grandes homens são os de concentração: eles investem todo o poder mental em uma coisa de cada vez”.
Yogananda
Uma Chave Preciosa (Trigueirinho)
Muitos já passaram pela experiência de chegar a lugares em que a Natureza exprime grande harmonia e perceberem-se convidados ao silêncio. A Natureza é espontaneamente silenciosa: as plantas crescem em silêncio, o Sol brilha em silêncio, o dia e a noite sucedem-se em silêncio. Mesmo quando os seres e os elementos da Natureza emitem sons, conseguem fazê-lo sem romper essa condição.
Nos momentos de reencontro com o silêncio temos lampejos da nossa integração na Totalidade. São momentos valiosos, mesmo quando logo depois os condicionamentos e hábitos afirmam o contrário.
A estrutura da civilização moderna afastou-nos do silêncio e, assim, continuamente perdemos a oportunidade de penetrar a via de união com o que há de mais verdadeiro em nosso interior. A agitação e o bulício cotidiano das aglomerações nas cidades enfatizam os aspectos superficiais da existência, postergam o mergulho nas profundezas de uma vida mais ampla. Somos com insistência chamados a colocar a atenção em superficialidades, a valorizar em excesso as aparências; desse modo, pouco a pouco nos deixamos envolver por elas e nos distanciamos de uma percepção mais profunda da vida.
O silêncio é básico para o equilíbrio integral do ser e para sua evolução. Num sentido bem amplo, seu cultivo não implica necessariamente privação do uso da palavra, embora essa prática possa estar incluída de forma moderada. A esse propósito, um filósofo disse que a abstenção de palavras é como a casca de um fruto; a casca não é o fruto, mas o protege enquanto ele cresce. Assim, para chegarmos ao silêncio são requeridas ocasiões de recolhimento, de aquietação dos sentidos, de ausência de envolvimentos externos – ocasiões de união com o mundo interior, com a essência de tudo e de todos.
O silêncio vai agindo dentro de nós com sua energia poderosa e pacificadora. Vai retirando véus, vai revelando-nos o modo de não ficarmos à mercê das influências externas, de reconhecermos a unidade de vida. Aproxima-nos da nossa real expressão e nos leva a permitir a de nossos semelhantes.
Para qualquer pessoa o silêncio é transformador; mas para os buscadores do Espírito ele é a própria luz do caminho.
A verdade necessita de olhos meditativos
Se você não tiver olhos meditativos, então toda a vida é somente enfadonhos fatos mortos, não relacionados entre si, acidentais, sem significado, uma desordem, apenas um fenômeno ocasional.
Se você enxergar a verdade, tudo se encaixa, tudo entra junto em harmonia, tudo começa a ter significado.
Ouvir os sussurros do Coração
O coração não conhece "se" e "mas". Ele simplesmente diz que este é o seu destino: tornar-se pintor ou poeta ou escultor ou dançarino ou músico. Ele simplesmente diz que é assim que você se realizará. Ele começa a direcioná-lo.
A função do mestre é ajudar você a estar em silêncio para ouvir os sussurros internos, então sua vida começa a ser guiada por uma disciplina interior. Por isso, não lhe dou nenhuma disciplina exterior, mas o ajudo a descobrir o seu insight. Você então será livre, andará em liberdade.
Visita da Sapiência (Gibran)
Na calma noite, veio a sapiência e parou junto ao meu leito, olhou-me como uma mãe extremosa, limpou minhas lágrimas e disse-me: “Ouvi o grito de tua alma e vim para consolá-la. Estende-me teu coração para que eu possa enchê-lo de luz. Inquire-me e mostrar-te-ei o caminho do direito”
Perguntei: “Quem sou, ó sapiência, como cheguei a este lugar medonho? Para que estas singulares aventuras, estes demasiados livros, e estes pensamentos que passam como bandos de pombos?
E que falatório é este, idealizado pela inclinação, espalhado com prazer?
Que significado têm estas tristezas e alegrias que enlaçam minha alma e abraçam o meu coração? Que olhares são estes que me fitam, vêem as minhas entranhas e se desviam dos meus padecimentos?
Que gritos são estes que lamentam os meus dias, e se rejubila de minha pequenez? Que juventude é esta, que brinca com minhas inclinações e escarnece de minha sensibilidade, esquecendo os afazeres de ontem, e alegrando-se com o folguedo do momento? Que mundo é este que me leva aonde não sei, e pára quando estou absorto?
E que terra é esta, com a boca aberta para tragar os corpos, e com o seio descoberto para a residência dos ambiciosos? Quem é este homem, que se contenta com a felicidade, se para obtê-la há o precipício? E que pede o beijo da vida e a morte esbofetea-o, e que compra um minuto de gozo com um ano de arependimento, que se entrega a Morfeu, e os sonhos chamam-no, e que caminha com as ribeiras da ignorância para o vale das trevas? Que são todas essas coisas, ó sapiência?…”
Respondeu: “Tú, ó humano, queres ver este mundo com olhar de divindade e queres compreender o mistério do mundo futuro com pensares humanos? Isto é o cúmulo do atrevimento! Vai para a campina e acharás a abelha volteando nas flores, e o gavião investindo contra a presa. Entra na casa de teu vizinho, verás a criança admirada com o clarão do fogo, e a mãe ocupada nos afazeres domésticos.
Sê como as abelhas, e não gastes os dias da primavera observando o gavião. Sê como o infante, alegra-te com o clarão do fogo, e deixa tua mãe com os seus afazeres.
Tudo o que vês, é e será para ti!
Os livros demasiados, os traços estranhos e os belos pensamentos são imagens das almas dos teus antepassados. As conversações que foram por ti abordadas, o que intervinha entre ti e teus irmãos, o homem, e as significações tristes e alegres – são sementes; semeou-as o passado no campo da alma, e o futuro as colherá.
A juventude que brinca com tuas inclinações abrirá a porta do teu coração para a luz entrar.
A Terra que está com a boca aberta libertará a tua alma do cativeiro. Este mundo que te arrasta é teu coração, e o teu coração é tudo de que desconfias, sabedor que este homem que tu julgas ignirante e pequeno, veio da parte de Deus para aprender a alegria pela tristeza e a ciência pelas trevas”
Deitou a sapiência a sua mão na minha fronte ardente e disse: “Vai para a frente e não pares nunca. Não receies os espinhos do caminho. A frente é a perfeição.”