O INDIVÍDUO E SEU DHARMA


I. K. Taimni
(Destacado e erudito teósofo hindu, doutor em Química pela Universidade de Londres, foi professor de pós-graduação e pesquisador em Química na Universidade de Allahabad. Versado na filosofia indiana, na prática da Yoga e nos princípios da Teosofia.)

(Extraído do livro Estúdios sobre la Psicologia de la Yoga, de I.K. Taimni, editado pela Federación Teosófica Interamericana, Buenos Aires, 1982).

Tradução: Cláudia Bozza


O homem, em sua mais íntima natureza divina, é essencialmente Uno com a Realidade sustentadora do Universo e faz parte dela. Trataremos aqui da relação entre a Vontade Divina e a vontade humana. Posto que o homem é essencialmente divino, sua vontade é um fator importante no drama universal que está se desenvolvendo. É certo que o exercício de sua vontade está limitado pelo seu grau de evolução, mas sua vontade afeta em maior ou menor medida a corrente de sucessos vinculados com a vida humana.

Ainda que os seres humanos não intervenham na elaboração do grandioso drama que está sendo representado em escala universal, parece que desempenham algum papel na determinação do curso dos sucessos relacionados com a evolução humana. O papel que desempenham por meio do exercício do seu livre-arbítrio, em sua limitada esfera, parece insignificante em comparação com a grandiosidade do Universo. Isto se deve ao fato de que olhamos o homem como um simples animal, com mente subdesenvolvida, e não como um ser divino que possui ilimitadas potencialidades.

O curso do desenvolvimento do Universo está determinado pela interação da Vontade Divina com as vontades das Mônadas individuais associadas a um sistema em evolução. Talvez seja mais correto dizer que é o resultado desta interação. Nas primeiras etapas de evolução as Mônadas apenas são capazes de exercer uma influência insignificante neste drama universal, mas nas etapas mais adiantadas sua influência é enorme. De fato, à medida que ascendemos na escala da evolução e se faz mais perfeita a fusão da consciência, tanto mais difícil é localizar a linha divisória entre a Vontade Divina e a vontade monádica. Será tão correto dizer que a Vontade Divina se expressa sem impedimentos por meio das Mônadas, como dizer que a vontade das Mônadas se tornou livre e autodeterminada. Isto é inevitável porque as Mônadas derivam da diferenciação dessa Realidade Única a que chamamos o Absoluto, e, portanto não pode haver diferença essencial entre as duas vontades.

Se há livre-arbítrio no indivíduo e no curso da evolução humana, coletiva e individual, é devido á interação da Vontade Divina com a vontade individual. Mas, em que lei se fundamenta esta interação? É evidente que nas etapas iniciais a lei que governa a evolução humana, permitindo que o indivíduo exerça seu livre-arbítrio, é a lei do Karma em seu aspecto mais amplo. O homem é um ser espiritual, e um ser espiritual pode desenvolver suas potencialidades divinas não pela imposição de um código de conduta exterior, mas aprendendo a fazer o que é justo e estando de acordo com a Vontade Divina por livre escolha, porque vê que isso promove o bem de todos, inclusive dele mesmo. O individuo, ao contemplar a própria natureza do Universo como uma expressão da Ideação Divina apoiada na Vontade Divina, deduz que a meta suprema da evolução e o despertar de sua natureza espiritual dependem de que ele viva e atue em perfeita harmonia com a Vontade Divina.Esta dedução o leva a corresponder-se com o Plano Divino, de maneira harmoniosa e perfeita, para cumprir bem seu próprio destino.

Aqueles que entenderam bem a doutrina do Karma sabem que o homem aprende a agir bem, não por compulsão externa, mas por decisão interna. Quando pratica o mal tem experiências dolorosas que relaciona com o mal feito. Quando faz algo de bom recebe a recompensa em forma de experiências gratificantes e felizes. Assim, associa naturalmente o que é bom com o prazer e a felicidade, e o que é mau, com a dor e a infelicidade e, de maneira lenta, mas incontidamente, evita fazer o mal praticando sempre o bem, ainda que isto lhe cause dificuldades temporais. É certo que pode tomar-lhe centenas de vidas aprender a levar uma existência justa e ter fé cega na retidão; mas é tal a natureza desta Lei que terá de assimilar esta lição cedo ou tarde. E somente quando a tiver aprendido em plenitude e estiver firmemente estabelecido na retidão, estará preparado para embarcar na viagem da própria descoberta. A retidão é a base indispensável da vida espiritual.

Isto nos leva à pergunta: "Como determinar o que é ação justa dentro do jogo das circunstâncias, ação que esteja em harmonia com a Vontade Divina ou Rta?" O homem ignora, no início de sua evolução, que existe uma Lei Divina e que só o viver em perfeita harmonia com essa Lei é que pode assegurar-lhe plenitude e verdadeira felicidade. Assim, vive de acordo com os ditames de seus desejos, resignado a colher os frutos doces e amargos que o Karma possa trazer como resultado. Como a má ação lhe acarreta dor e a boa, prazer, vai aprendendo a evitar a má ação e a evitar as tendências que o levam a fazer o mal. Deste modo, sua mente vai se libertando da carga de más tendências, o que aumenta sua cota de felicidade e permite, além disso, que a luz de Buddhi (intuição) se infiltre gradualmente em sua mente. Como fruto deste despertar de Viveka (discernimento) ele começa a perceber a natureza ilusória da vida nos planos inferiores e a futilidade em continuar aliado a interesses mundanos, de poder ou prazer temporais. Começa a intuir que até os prazeres e gozos da existência post mortem serão temporais e ilusórios, e o manterão atado à roda de nascimentos e mortes com todas as suas limitações, ilusões e misérias.

Gradualmente desperta em sua mente a compreensão de que existe um estado no campo da Realidade, acima do prazer e da dor. E assim nasce em seu coração o ideal de alcançar aquela consciência espiritual pela qual toma conhecimento de sua natureza divina, que está além das limitações e ilusões da vida inferior.

É nesse momento que deve encarar o problema de saber o que é justo e o que está de acordo com a Vontade Divina. Já tem plena fé na necessidade e na eficácia da retidão; já está determinado a levar uma vida justa; mas ainda experimenta constante confusão entre o bem e o mal, e não sabe com certeza o que fazer em certas circunstâncias. Para este homem, uma vida justa não é a vida religiosa comum, que consiste em professar a fé em certos dogmas, mas sim a adoção de uma atitude completamente impessoal, e uma conduta que esteja em perfeita harmonia com a Vontade Divina a todo o momento. Elevou-se acima do campo da moral vigente; já não está seguindo um rígido código externo de conduta, mas obedece a lei de seu próprio ser baseado em seu Dharma.

Esse tipo de ação, onde estão eliminados completamente o elemento pessoal e as preferências pessoais, é conhecido como Niskâma-Karma, que significa ação que se executa sem nenhum desejo pessoal senão o de cumprir o Plano Divino e de fazer o que for necessário, de acordo com a sua individualidade e as capacidades que possui. Pois no Cosmos nada ocorre por casualidade, e se nos encontramos em certas circunstâncias não é só porque temos que colher nosso Karma, mas também porque temos um Dharma, ou uma função a cumprir nessas tais circunstâncias. Essa função pode ser importante ou não, significativa ou não, do ponto de vista externo; mas existe, e impõe ao individuo uma obrigatoriedade em cumpri-la. Ele pode escolher não cumpri-la ou faze-lo inadequadamente, sendo que isto acarretará desvantagens e novas complicações para si mesmo e para outros.


Não podemos intervir no cumprimento do Plano Divino com nossa ignorância, assim como um peixe não pode intervir na correnteza de um rio nadando contra ela. O Plano Divino se cumprirá de qualquer forma, ainda que seja por um caminho alternativo; mas o individuo que não colabora cria complicações para si mesmo e aumenta suas dificuldades no progresso espiritual. Na realidade, a vontade do indivíduo comum é tão débil e seu livre-arbítrio é tão limitado, que sua capacidade de opor-se á Vontade Divina pode ser considerada quase nula. Entrou na corrente da vida a irá desempenhar o pequeno papel que lhe foi designado, queira ou não, apropriada ou inadequadamente.

Se todos nós estamos cumprindo o Plano Divino e, inconscientemente, estamos cumprindo a vontade de Deus, então que necessidade temos de adotar uma vida de retidão e de sermos agentes conscientes da Vontade Divina? Que vantagem tem o homem que está estabelecido no justo, sobre o homem comum que segue os ditames de seus desejos? A vantagem é enorme, mas necessitamos discernimento (Viveka) para vê-la. Enquanto o homem não estiver firmado na retidão, seu Buddhi (intuição) permanecerá nublado, seus olhos espirituais fechados, e nem sequer estará em condições de entrar para a senda do desenvolvimento espiritual que leva à realização de sua verdadeira natureza. Poderá até ser capaz de conquistar alguns dos poderes psíquicos inferiores, mas as portas do mundo da Realidade permanecerão absolutamente fechadas para ele. Nem sequer saberá que existe uma Realidade oculta por trás dos mundos inferiores nos quais sua consciência e seus poderes estão aprisionados.

É de grande importância para o individuo levar uma vida de retidão, além do que, exercerá uma grande influência sobre a vida de toda a Humanidade. Um homem justo auxilia os que o rodeiam de duas maneiras: uma, criando um centro de harmonia através do qual podem fluir forças dos planos sutis aos mundos inferiores, e assim ajudar a Humanidade, ainda que ele não esteja sempre consciente disto; outra, tornando possível, para si mesmo, o transcender das limitações e ilusões dos mundos inferiores, e assim criar, com o tempo, um outro canal de comunicação entre o mundo Real e os irreais. Todo individuo que consegue criar este canal converte-se não só num agente da Vida Divina, mas também num guia dos que aspiram desenvolver sua natureza espiritual. E quando tiver alcançado a liberação, será capaz de atender às verdadeiras necessidades espirituais da Humanidade, ainda que passe desapercebido pelo mundo externo.

Freqüentemente confundimos a espiritualidade verdadeira com a vida religiosa formal, e pensamos que seguindo as formas externas da religião e um código de ética artificial estamos levando uma vida espiritual. Mas aqueles que galgam o discernimento podem ver facilmente a vasta lacuna que separa as duas coisas, e não se deixam enganar com o palavreado e a roupagem imponente da religião com que a ortodoxia encobre sua pobreza de espírito.


Tornando à pergunta do que vem a ser a reta ação sob todas as circunstâncias, a resposta é: fazer sempre o correto, no momento correto, do modo correto e por razões corretas, até onde saibamos. Pode ser que, apesar de todos os nossos esforços, não consigamos fazer sempre o correto, mas se houver a motivação e a determinação necessária, gradualmente a presença de Buddhi (intuição) nos capacitará para ver o procedimento correto, e para segui-lo sem vacilar. A habilidade para discernir e fazer o certo só pode ser adquirida fazendo, em cada circunstância, o que nos parece mais justo e observando seu resultado. Assim, se estabelece um círculo virtuoso, até nos firmarmos na retidão; então cessa todo esforço e luta, e a vida flui fácil e naturalmente do centro de nossa consciência espiritual, no cumprimento do Plano Divino.

Mas é conveniente assinalar que somente o desejo vago e débil de fazer o correto não pode produzir semelhante transformação no caráter. Muitos aspirantes reconhecem, na teoria, a necessidade de adotar uma vida justa, e começam a fazer o correto, sempre que não interfira em seus interesses e tendências pessoais. Certamente, isto já representa uma melhora na atitude do homem comum, que nem sequer reconhece a necessidade de uma vida adequada e que atua corretamente por medo de cair nas mãos da justiça ou de criar complicações para si. Mas o indivíduo não pode estabelecer-se na retidão tendo fé no justo e fazendo o bem somente quando lhe convém ou lhe favoreça. Terá que aprender a fazer o bem em todas as circunstâncias, mesmo que possa causar-lhe perdas ou sofrimentos. Para isto, terá que estar constantemente alerta, com agudo discernimento e resolvido, serena e inflexivelmente, a fazer o correto em todas as ocasiões. Isto, provavelmente, implicará em dificuldades e angústias, porque tão logo decidimos viver com retidão, começam a surgir, como que a nos pôr à prova, todo tipo de tentações e obstáculos. Temos que suportar estas provações sem ceder, se realmente somos sérios. Somente parecerão assustadoras e dolorosas quando houver debilidade interna e tendência a vacilar, sinais de que o discernimento ainda está parcialmente nublado. O homem verdadeiramente justo entrega até a própria vida, se necessário, sem agitação ou pesar, como o testemunham mártires, santos e grandes homens.


O que foi dito mostra ao estudante a relação entre Rta e o Dharma individual, cujas idéias fundamentais podem ser resumidas assim: Rta é a Grande Lei sustentadora do Universo que se desenvolve no tempo e no espaço. A forma Real e espiritual deste Universo existe na Mente Divina, e a forma irreal e temporal que temos segue e aproxima-se, como uma sombra, da forma Real e espiritual. Neste Universo em evolução, que se projeta a partir da Mente Divina, estão imersas incontáveis Mônadas, em diversas etapas de desenvolvimento. Cada uma dessas Mônadas é parte integrante da Realidade, e tem sua própria unicidade e papel individual no longuíssimo drama que se desenvolve no cenário do Universo. Tem uma personalidade e uma individualidade que opera nos mundos inferiores, a fim de desenvolver as potências divinas que trás em seu interior, e mostrar sua singularidade individual. A personalidade e a individualidade, por um lado, são meras sombras da Mônada e, por outro, são instrumentos para o seu desenvolvimento. Este aperfeiçoamento não é casual; está dirigido, num sentido, pela unicidade individual da Mônada, e noutro, pelo lugar que ocupa no Plano Divino. Estas duas forças que existem ocultas em sua natureza eterna guiam o processo de evolução e determinam em grande parte o modelo geral de suas vidas nos planos inferiores. Representam a Vontade Divina e o Plano Divino no tocante à Mônada.

Nosso Dharma individual, no sentido mais amplo do termo, consiste em nos ajustar a este modelo e seguir a senda marcada para cada um de nós. Mas no decorrer deste desenvolvimento, desviamo-nos devido à nossa ignorância e aos nossos anseios egoístas, convertendo assim o Karma individual e coletivo num outro fator importante que deve ser considerado. Portanto, o Dharma básico de cada individuo fica condicionado sempre pelas necessidades e circunstâncias de cada encarnação, e pelo ambiente onde age, em razão do Karma vigente que deve exaurir em cada encarnação particular.

Já dissemos que a Vontade Divina não atua de uma maneira determinante na evolução, mas deixa em liberdade as Mônadas para agirem e aprenderem, ainda que com os seus próprios erros. Portanto, é óbvio que o Dharma de um individuo, dentro de certas circunstâncias, é o resultado da interação de diferentes tipos de forças que atuam sobre ele. Daí não existir um conjunto de regras rígidas a cumprir mecanicamente para levar uma vida de retidão. O único método para conhecer nosso Dharma, e determinar a linha de ação que temos que seguir nas diferentes situações e circunstâncias é manter imaculada a luz interna da intuição (Buddhi). Mas não devemos confundir esta luz com o que nos pede a mente embotada pelos desejos e preconceitos religiosos, que a toma equivocadamente como a voz de Deus, e que os políticos inescrupulosos qualificam de "chamamentos do dever". O conhecimento do nosso verdadeiro Dharma vem pela percepção espiritual, é como uma clara compreensão e não um mero pensar. Resulta da purificação da mente de toda sorte de desejos inferiores, e da libertação do servilismo ao eu inferior.

O estudante verá que esta retidão não difere muito de Niskâma-Karma. Em ambos os casos, o reto atuar é a base de todos os aspectos da vida. Niskâma-Karma também significa a ação livre de motivação e desejos pessoais; e o que a orienta é o Divino em nós, e não a personalidade. A personalidade cede à direção interna, e até se oferece prazerosa e inteligentemente para servir o Eu superior... e esta vida de retidão está aberta a todos!

Ondas Magistrais


Cantondas que cantam nas ondas o mais longo ondular
São o mais fino limiar.
As muralhas aquarelas da auréola do Ondular desmorona-se na finura do mais fino limiar.
As auras são brilhantes, estas brilhantes auras auriculares da aquarelância dos maleáveis furacões aqua-quânticos imersos a Um Magistral Comando.
Com sua magia, anda com maestria, galgando a suave primosia.

Afundai-vos de uma vez por todas nas Ondas Magistrais.
Achareis a Magistral Quietude das profundezas divinas, repousando na eternidade que a contém.
Oceano Orquestral, nuvem sideral.
As nuvens que navegam nas magistrais ondas.
Por onde anda a onda eu ainda nado no Nada.
No Magistral que dá início, a tudo acaba.
Como poeira que some do passado que galga.

Sumamos meus humanos!

Rumo à Harmonia (Trigueirinho)


Rumo à Harmonia, a via mais direta é a neutralidade
A sabedoria reveladora da lei de causa e efeito

A lei de causa e efeito, ou lei do carma, pode ser sintetizada na conhecida frase "O homem colhe o que semeia". Segundo essa lei, ações, sentimentos e pensamentos produzem efeitos que retornam a curto, médio ou longo prazo a quem os gerou. Assim, o que é vivido hoje determina o futuro.

A lei do carma foi das primeiras apresentadas à humanidade. Podemos ver seus primeiros aspectos na Bíblia, quando Moisés afirma: "Olho por olho e dente por dente", e um dos mais avançados no clássico "Bhagavad-Gîta", epopeia escrita nos primórdios da Índia, cujo personagem, o príncipe Arjuna, descobre a liberdade que advém de agir sem apego aos frutos da ação.

Quem busca o caminho espiritual se dispõe a manifestar o bem, a verdade e a beleza no próprio ser e no universo. Contudo, a mais elevada expressão da harmonia intrínseca à vida requer plena liberdade, a soltura dos laços que ligam a consciência à matéria. Para isso, é necessário mais que boas ações equilibradoras de atos negativos: é preciso neutralidade ao agir.

Caminha-se para a verdadeira libertação não só praticando o bem e assim semeando futuro promissor, pois isso ainda produz laços positivos. A libertação vem do desapego por tudo o que se faz, sente ou pensa. Embora essa condição marque adiantada etapa evolutiva, há quem se esforce para alcançá-la, apesar de o mundo em geral instigar envolvimento emocional e mental com o que se passa dentro e fora das pessoas.

Observa-se que a lei do carma visa ao contínuo progresso rumo à harmonia, sobretudo por meio do serviço ao bem universal, desinteressado de resultados. Para atingir tal meta, a via mais direta é a neutralidade.

Quando a pessoa já não tem apego a nenhum ato, positivo ou negativo, pode transcender as ligações com os fatos e, portanto, com a lei do carma. A recomendação de "estar no mundo sem ser do mundo", feita por Jesus, sintetiza a almejada situação.

A aranha cria seu universo sem se atar a ele, tece a teia sem nela se enredar. Mas o homem, ao construir sua vida sobre a Terra, comumente mistura-se nela, apega-se ao que faz e cria. É como se estivesse preso num aposento e uma pequenina vela fosse toda a luz de que dispusesse. Vê de modo difuso e faz muitas experiências em sua tão querida prisão. Tece sua teia com pensamentos, sonhos, desejos e objetivos pessoais. Assim constrói a própria vida, mesmo sem conseguir ver o verdadeiro desenho desde sempre planejado para ela. Fica emaranhado nos fios.

Mas, em dado momento, o tecelão ouve dentro de si a ordem de destruir a amada teia. É quando começa a treinar o desapego, a desatar laços antigos e a evitar ligações supérfluas. Ingressa por fim no caminho de retorno aos mundos de onde partiu como pura consciência.
A lei do carma toma quase sempre caráter negativo porque o ser humano, valendo-se do livre arbítrio, costuma fazer escolhas nas quais considera em especial as próprias necessidades e desejos individuais. Em raros casos tem em vista a necessidade geral ou algum aspecto do plano evolutivo. Devido a isso, cria mais débitos que créditos cármicos e pouco equilibra o estado de desarmonia, pois não é neutro a ponto de abandonar a formação de vínculos.
Enquanto tenta às cegas construir sua existência terrena, a lei do carma o acompanha como mestre de infinita sabedoria; enquanto devasta áreas do planeta em proveito próprio e inconscientemente se lança ao prazer e ao deleite, a dor e o sofrimento - agentes da lei do carma - são os meios mais adequados para seu ensinamento.

Vida Vívida (Masaharu Taniguchi)


"Quem disse que eu sou um covarde sucumbindo ante as dificuldades? Quem disse que sou corpo feito de alimentos? A vida não é figura de cera, não é figura de gesso. Eu sou ciclone, sou furacão, sou redemoinho. Eu transformo o ambiente, como se dobrasse um arame no aspecto que eu desejo. Eu sou uno com a poderosa força que criou o universo.
Eu sou a própria energia que da atmosfera faz o relâmpago, que transformou os raios solares em arco-íris, que faz eclodir do negro solo as rubras flores, que faz explodir os vulcões e que criou o sistema solar a partir da nebulosa.

Que é ambiente?
Que é destino?

Na hora exata, quando eu quiser, eu me liberto do mais triste destino como o peixe que se esgueira pelas fendas.
Não sou ferro.
Não sou argila.
Sou vida.

Sou energia viva.
Não sou matéria inerte moldado pela situação ou pelo destino.

Eu sou como o ar:
Quanto mais comprido for, mais força manifesto, tal como a bomba explode a rocha.
Eu sou vida que, no momento certo rompe impetuosamente a situação ou destino.

Sou também como a água:
Nenhuma barreira poderá represar-me e impedir que me torne grande oceano.
Se barrarem minha passagem colocando grandes pedras no meu leito, converter-me-ei em torrente, cachoeira, e saltarei impetuosamente.
Se me fecharem todas as saídas, eu me infiltrarei no subsolo.

Permanecerei oculto por algum tempo, mas não tardarei a reaparecer. Em breve estarei jorrando através das fontes cristalinas, para saciar deliciosamente a sede dos transeuntes.
Se me impedirem também de penetrar no subsolo eu me transformarei em vapor, formarei nuvens e cobrirei o céu.

E, chegando a hora, atrairei furacão, provocarei relâmpagos e trovões, desabarei torrencialmente, inundarei e romperei quaisquer diques e serei finalmente um grande oceano.“

Imaginando a Décima Dimensão

Parte 1:

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Parte 2:

A Impessoalidade (Trigueirinho)


Muitos fatos do mundo interior se desvelam aos homens à medida que sua consciência vai sendo permeada pela impessoalidade.

A impessoalidade começa a emergir a partir do contato com o Eu superior, mas se expressa em plenitude apenas quando as energias monádicas passam a fluir livremente nos corpos. Portanto, não se pode alcançar a impessoalidade por meio do esforço humano; ela é fruto da entrega do indivíduo ao Regente*, ao que há de mais elevado no interior do seu próprio ser. Pode-se, todavia, preparar o terreno para receber tão preciosa semente, que dos mundos sublimes alcança a vida material. Essa preparação se faz pelo desapego ao que é conhecido, pela renúncia às tendências do ego, pela busca da essência única da vida, presente em tudo e em todos.

Aquele que nos planos externos manifesta a impessoalidade não é o que trata os demais indiferentemente; ao contrário, por ter conhecido a Verdade, com reverência curva-se à presença divina em todos os seres e a eles oferece a exata porção de energia de que necessitam, levando-os, por meio de sua entrega e de sua irradiação, à soltura dos laços terrestres e ao contato com horizontes mais amplos.

Para que possais ver o nascer do sol, tendes de subir às altas montanhas. Somente ali, distantes do cenário da vida pessoal, podeis banhar-vos nos raios da verdadeira existência, que cada dia convida-vos a renascer.

Não tenteis fazer, com vossas mãos, o que o Espírito deve fazer em vós. Deixai-vos transformar em chama pura de devoção e entrega, e elevai-vos ao Criador. Assim, e somente assim, podereis ver Sua sublime face refletida em todos os vossos irmãos e, junto deles, cumprir a tarefa a vós designada.

Uma nova realidade já se mostra no planeta, a realidade do Espírito que, livre dos grilhões materiais, eleva a Terra aos céus, trazendo de lá os sagrados bálsamos dos tempos vindouros. Sois parte dessa grande Obra, sois portadores da nova semente. Regai-a, pois, com pura água da vida interior; seus brotos robustecidos expressarão a promessa cósmica, supremo destino de todos os homens.

*Regente - Consciência ou núcleo encarregado de captar e transmitir o impulso evolutivo para todas as partículas existentes em determinado âmbito e de conduzi-las à realização.

Tormenta Galante


Desvaneça nesta Dança Mística
Desanuvie nasça da característica
Desapegue flua o fluxo do vento
Desde onde fura seu tormento

Galantes nuvens pomposas
Gargalhantes vem sinuosas
Gorjeiam para os arvoredos
Galopam ocultando rochedos

Bonitas formas nuas no céu
Chovendo nuvens que galgam
Bonitos céus nus na forma
Galgando chuvas que nublam

A nuvem que então desanuviar
É que nua vem tão crua e pura
No doce desnublar por entre o ar
O desmantelar da visão escura

E a Dança Mística desvanece
Desvanece os sonhos neblineiros
Esclarece os dotes jardineiros
Na clareza do desvanecimento... que esclarece!

Com a minha Desvaneciência.

Na Vida Contemplativa (Trigueirinho)


Havia um Rei de uma terra distante que certa vez desceu das altas torres do seu palácio, atravessou os caminhos estreitos que levavam aos vales, cruzou fronteiras e, como se fosse um homem do povo, juntou-se à vida daquelas paragens.

Nada disse de sua origem e nada exigiu para sua subsistência. Levando a vida simples daqueles homens, e sendo o espelho vivo da retidão das leis e dos princípios internos, mesmo quando em seu ser brotavam as recordações de sua verdadeira Morada, ele, que escolhera servir, louvava a oportunidade de estar nos vales, despojado da magnificência e dos ornamentos reais.

Ainda não despertos para o que dele recebiam, seus novos companheiros parcialmente percebiam o que ele silenciosamente irradiava. Houve um dia, porém, que os mensageiros do Reino, tendo partido em busca de Sua Majestade, chegaram àquelas terras perdidas. E tão luminoso cortejo curvou-se àquele que como mendigo vivia! Num carro de fogo, erguido então às alturas de sua Morada, mais que rastros de Luz, deixou cravado no coração dos homens as marcas da sua passagem.

A energia que permeia essas instruções devocionais traz em si impressa a vibração da esfera imaterial de consciência. Sua projeção nos estratos materiais é representativa do novo estado de realização do planeta Terra, e é indicativa dos tempos que se aproximam. A presença de indivíduos em Monastérios deve ser uma das pontes entre dois mundos; sua vida de religiosidade pode ser a base que dá estabilidade a essa ligação; sua entrega incondicional ao Criador, a chave mestra para todas as provas. Somente nessa entrega galgam os degraus da escada que não tem começo nem fim, e que apenas no silêncio interior pode ser reconhecida.

Na manifestação da consciência monástica não existe meio termo; assim, se também uma vida eremítica tiver de ser exteriormente assumida, que o seja na mais perfeita inteireza.

É no verdadeiro amor ao Criador que podereis viver o correto amor às suas criaturas.

O Livro da Vida - Krishnamurti


A história da humanidade está em você: a vasta experiência, os medos profundamente arraigados, as ansiedades, a dor, o prazer e todas as crenças que o homem acumulou através dos milênios. Você é esse livro. Ele não foi publicado por nenhum editor; não está à venda. Inútil ir a algum analista, porque o livro dele é o mesmo que o seu. Sem ler esse livro cuidadosa, paciente, hesitantemente, você nunca será capaz de transformar a sociedade em que vivemos, a sociedade que é corrupta, imoral. Existe muita pobreza, injustiça, e assim por diante. Qualquer pessoa séria estaria preocupada com o estado das coisas no mundo atual, com todo o caos a corrupção, guerra – o maior de todos os crimes é a guerra. Para produzir uma mudança radical em nossa sociedade e em sua estrutura, a pessoa tem que ser capaz de ler esse livro que é ela própria; e a sociedade em que vivemos foi criada por nós, cada um de nós, por nossos pais, avós e assim por diante. Todos os seres humanos criaram essa sociedade e, enquanto a sociedade não for transformada, haverá mais corrupção, mais guerra e destruição da mente humana. Assim, para ler esse livro que é a própria pessoa, é preciso aprender a arte de escutar o que o livro está dizendo. Escutar implica não interpretar. Apenas observar, como você observa uma nuvem. Não se pode fazer nada a respeito da nuvem ou das folhas da palmeira balançando ao vento, ou em relação à beleza do pôr-do-sol; não se pode alterá-los. Da mesma forma, é preciso aprender a arte de escutar o que o livro está dizendo. O livro é você; ele revelará tudo.
Há outra arte, a da observação, a arte de ver. Quando você lê o livro que é você mesmo, não existem você e o livro. Não existe o leitor e o livro separado. O livro é você.

Há ainda outra arte, a arte de aprender. Os computadores podem aprender; eles podem ser programados e repetirão aquilo que lhes foi ordenado. Primeiro nós experimentamos, acumulamos conhecimentos, e os armazenamos no cérebro; então o pensamento nasce sob a forma de memória e segue-se a ação. Dessa ação você aprende. Assim, aprender é acumular mais conhecimento. Isso é o que a mente que está atenta, desperta, está fazendo todo o tempo, como um computador. Experiência, conhecimento, memória, pensamento, ação – eis o que estamos fazendo todo o tempo, o que chamamos “aprender” – aprender com a experiência. Essa tem sido a história do homem – constante desafio e resposta a esse desafio. O livro é todo o conhecimento da humanidade, que é você.

Sei que vocês provavelmente são muito cultos, muito educados, mas estou expondo tudo isso em uma linguagem muito, muito simples. Entretanto, a palavra não é a coisa. Por favor, tenham isso em mente todo o tempo: a palavra não é a coisa. O símbolo nunca é o real. Desse modo, como eu disse, existe a arte de ver, a arte de escutar e a arte de aprender. O homem nunca é livre do conhecido; por isso, nosso aprendizado torna-se mecânico. A arte de aprender implica algo totalmente diferente. Aprender significa investigar os limites do conhecimento e mover-se. Agora, com esses três processos – escutar, observar, aprender – vamos juntos ler o livro da vida. Você está lendo o livro junto comigo; não estou lendo o seu livro. Estamos lendo o livro humano que é você, o orador e o resto da humanidade. Por favor, dê um pouco de atenção a isso. Se sabemos como ler o livro que somos nós mesmos, todos os conflitos e dores, chegam a um fim. Somente essa é a mente religiosa, não a que acredita; não a que executa todos os rituais, mas a que é livre. Tendo lido completamente o livro, é apenas essa mente que recebe a benção da verdade.


Qual o primeiro capítulo nesse livro?

É o seu livro, qual é o conteúdo desse capítulo? À parte a existência física, o organismo com todos os males do corpo: a doença, a preguiça, a morosidade, a falta de alimento apropriado, de nutrição conveniente – à parte tudo isso, qual é o primeiro movimento? Você pode ter olhado para o seu rosto, penteado o cabelo, empoado a face e tudo o mais, mas nunca olhou para dentro. Se olhar para dentro de si mesmo, você não se descobre um ser humano de segunda-mão? Pode ser bastante desagradável considerar-se um ser humano de segunda-mão. Mas estamos cheios de conhecimento de outras pessoas – o que alguém ou algum mestre ou guru disse, o que Buda disse, o que o Cristo disse, e assim por diante. Estamos cheios disso. Da mesma forma, se você foi à escola, faculdade ou universidade, lá também lhe foi dito o que fazer, o que pensar. Assim, se compreender que é um ente de segunda-mão, você poderá pôr isso de lado e olhar.

Acompanhe-me, por gentileza: a primeira observação é que vivemos em contradição, que não há ordem em nós. Ordem não é programação. É colocar tudo no lugar certo. Mas ordem implica algo muito maior que a disciplina mecânica de um hábito particular, ou de uma função normal. Desta forma, a pessoa descobre nesse livro, no primeiro capítulo, que vivemos uma vida extraordinariamente confusa, desordenada – querendo uma coisa e negando que a queremos, dizendo uma coisa e fazendo outra, pensando uma coisa e fazendo outra. Assim, há contradição constante. Onde há contradição, tem de haver conflito. Você está acompanhando o livro que é você mesmo vivendo de uma maneira desordenada, em perpétuo conflito. Esse conflito alastrou-se como ambição, realização, identificação com uma pessoa, um país, uma idéia, sem nunca viver com o real. Assim, vivemos em desordem – politicamente, religiosamente, em nossa vida familiar.

Temos de descobrir o que é ordem. O livro irá lhe contar, se você souber como lê-lo. Ele diz que você vive em desordem. Acompanhe-o, vire a próxima página. Então você descobrirá o que significa viver em desordem. Se uma pessoa compreende a natureza da desordem, não intelectual, ou verbalmente, mas de fato, o livro está dizendo: não traduza, não transforme isso num conceito intelectual, mas leia-o apropriadamente. Quando você o lê, ele diz que suas contradições existem, e elas só irão terminar se você compreender a natureza da contradição. Contradição existe quando há divisão como hindus e muçulmanos, judeus e árabes, comunistas e não-comunistas, esse constante processo divisório entre os vários tipos de Budistas, os vários tipos de Hindus, Cristãos e assim por diante. Onde há divisão, tem de haver conflito, que é desordem. Quando você compreende a natureza da desordem, dessa compreensão, das profundezas dessa compreensão da natureza da desordem, vem, naturalmente, ordem.

Ordem é como uma flor desabrochando naturalmente, e essa ordem, essa flor, nunca fenece. Sempre há ordem na própria vida quando se lê realmente o livro, que diz: onde há divisão, tem de haver conflito.


O próximo capítulo diz: enquanto você estiver funcionando centrado, rumo à periferia, tem de haver contradição. Isto é, enquanto estiver agindo de forma autocentrada, egoística, egocêntrica e personalisticamente, restringindo a totalidade dessa vida imensurável a esse pequeno “eu”, você inevitavelmente criará desordem. O “eu” é algo muito pequeno, criado pelo pensamento. O pensamento, o nome, a forma, a estrutura psicológica e a imagem que ela construiu de si mesma, dizem: “Eu sou alguém”. Enquanto existir atividade autocentrada, tem de haver contradição, tem de haver desordem. E o livro diz: não pergunte como não ser autocentrado. Quando você pergunta como, você está pedindo um método. Se você segue o método, essa é outra forma de atividade autocentrada. O livro está dizendo a você tudo isso, não eu. O orador não está traduzindo o livro. Estamos lendo-o juntos. Enquanto você pertencer a qualquer seita, grupo, religião, estará obrigado a criar conflito. Isso é difícil de engolir porque todos nós acreditamos em alguma coisa. Você acredita em deus, outro não; outro acredita no Buda, outro em Jesus, e o Islã diz existir alguma outra coisa. Assim, a crença produz divisão no relacionamento entre as pessoas. Não há necessidade alguma de crença quando você está unicamente preocupado com fatos – fato sendo aquilo que está realmente acontecendo em seu livro.

Então surge o problema de como ler o livro, se você está separado dele. Quando pega um romance ou uma novela de suspense, você lê como alguém de fora, virando as páginas, na companhia de toda excitante história, e assim por diante. Mas aqui o leitor é o livro. Ele o está lendo como se estivesse lendo uma parte de si mesmo; não está lendo um livro qualquer. O livro também diz que o homem tem vivido sob a autoridade – política, religiosa, do líder, do guru, do homem que sabe, do intelectual, do filósofo. Sempre se conformou com um padrão de autoridade. Por favor, escute muito cuidadosamente o que o livro está dizendo: existe a autoridade da lei – existe a autoridade do policial, de um governo eleito, do ditador. Não estamos falando desse tipo de autoridade. Estamos lendo a respeito da autoridade que a mente busca com o propósito de sentir-se segura.

A mente está sempre buscando segurança. O livro diz: quando você está buscando segurança psicológica, está inevitavelmente criando autoridade – a autoridade do sacerdote, da imagem, do homem que diz: “Sou iluminado, vou esclarecê-lo”. Assim o livro diz: livre-se de todo esse tipo de autoridade; o que significa: seja uma luz para você mesmo. Não dependa de ninguém para a compreensão da vida, para a compreensão desse livro. Para ler esse livro não deve haver ninguém entre você e ele – nenhum filósofo, nenhum sacerdote, nenhum guru, nenhum deus, nada. Você é o livro que está lendo. Portanto, deve haver libertação da autoridade do outro, seja a do marido ou a da esposa. Isso significa ser capaz de ficar sozinho.

O livro diz: você discutiu, leu o primeiro capítulo sobre a desordem, a ordem e a autoridade.

O próximo capítulo diz: vida é relacionamento; relacionamento em ação. Não somente com aqueles de quem é intimo: você está relacionado com toda a humanidade. Você é semelhante ao resto dos seres humanos, onde quer que eles vivam, porque eles sofrem, você sofre, e tudo o mais. Psicologicamente, você é o mundo e o mundo é você. Portanto, você tem tremenda responsabilidade. Então o livro diz no capítulo seguinte: o homem tem vivido com medo desde tempos imemoriais – medo, não somente da natureza, do ambiente, da doença, de acidentes e assim por diante, mas também as muito profundas camadas de medo, as profundas, inconscientes, inexploradas ondas de medo. Vamos ler o livro juntos até o capítulo e terminar e dizer: “Observe o medo e você será capaz de pôr fim a ele”. O livro outra vez pergunta, na página seguinte: que é medo? Como ele surge, qual a sua natureza? Por que o homem não resolveu o problema? Por que vive com ele? Acostumou-se a ele? Aceitou-o como forma de vida? Por que o homem, o ser humano, não solucionou o problema para que a mente seja totalmente livre do medo? Enquanto houver medo, você viverá na escuridão. E se sua adoração resultar dessa escuridão, ela será absolutamente sem sentido.

É muito importante penetrar mais fundo na natureza do medo. Como surge o medo? Da lembrança de coisas passadas – lembrança de alguma dor, de alguma coisa que você fez, que não devia ter feito; uma mentira que contou, não quer que seja descoberta e teme que o seja; uma ação que corrompeu sua mente. Você pode estar com medo daquela corrupção, daquela ação? Ou pode estar com medo do futuro, de perder um emprego, ou de não se tornar cidadão proeminente em um quintalzinho qualquer. Temos inumeráveis formas de medo. As pessoas têm medo do escuro, da opinião pública, da morte, de não se realizar – o que quer que isso signifique. E há o medo da doença; a pessoa pode ter muita dor física que fica registrada na mente e ela tem medo que volte. Assim o livro diz: siga em frente, leia mais; o que é medo? É ele criado pelo pensamento? É ele criado pelo tempo? Estou saudável agora, mas quando envelhecer ficarei doente e isso me assusta. Isso é tempo. Ou o pensamento diz: algo pode me acontecer, posso perder o meu emprego, ficar cego, perder minha esposa, o que quer que seja. É essa a raiz do medo? – o livro está perguntando. Assim você diz: vire a página e descobrirá a resposta você mesmo; não o orador. O livro diz que o pensamento e o tempo são fatores do medo. Que pensamento é tempo.

A página seguinte pergunta:
é possível à mente humana, a você que está lendo o livro que é você mesmo, ser completamente livre do medo, de tal forma que não haja mais o leve sopro de medo? O livro diz novamente: não peça um método. Métodos significam repetição, um sistema; o sistema que você inventar não dissolverá o medo, porque então você estará seguindo um sistema e não compreendendo a natureza do medo. Portanto, não busque um sistema, mas simplesmente compreenda a natureza do medo. Ele interroga: o que você quer dizer por compreender? Ou você compreende a construção verbal e o significado da palavra, o que é uma forma especifica de atividade intelectual, ou você vê a verdade. Quando você enxerga a verdade, então a coisa desaparece. Quando enxergar claramente, por si próprio, que o pensamento e o tempo são fatores do medo, não como uma afirmação verbal, mas como uma parte de você mesmo – em seu sangue, em sua mente, no seu coração, que o tempo é o fator – então verá que o medo não tem mais lugar, somente o tempo. Porque o medo foi criado pelo tempo. E pelo pensamento. Tenho medo do que possa acontecer, tenho medo de minha solidão. Nunca examino minha solidão – o que ela significa – mas tenho medo dela, o que significa que fujo dela; mas essa solidão é a minha sombra, ela me persegue. Não se pode fugir da própria sombra. Do mesmo modo, se você tiver a paciência da observação, que não é fugir, mas observar, olhar, escutar, ouvir o que o livro está dizendo, ele dirá que o tempo é o fator, não o medo; por isso você tem de compreender o tempo. Se compreender o tempo, talvez então não haja um fim para o medo.


O livro está pedindo a você para descobrir qual é a relação entre tempo e pensamento. Pensamento é um movimento do conhecido para o conhecido. É um movimento: as lembranças do passado encontrando o presente, modificando-se e seguindo adiante. Esse movimento do ontem para o hoje e para o amanhã é o movimento do tempo, através do nascer ao pôr-do-sol. Existe também o tempo psicológico. Conheci a dor, espero que ela não se repita, mas ela pode acontecer de novo – esse é o movimento do passado através do presente, modificando-se e deslocando-se em direção ao futuro. Existe o tempo medido pelo relógio. Existe o tempo interior: você espera ser; não é, mas espera ser; você é violento, mas espera ser não-violento. Você é ganancioso, invejoso, mas, através do tempo, através da evolução, espera que gradualmente se livrará disso. Conseqüentemente, tempo é um movimento a partir do passado e do presente em direção ao futuro. Pensamento também vem do passado – conhecimento, memória, movimento. Portanto, tempo é pensamento.

A próxima pergunta é muito mais difícil de responder. Você tem que ter paciência para ir mais longe. Estou usando a palavra “paciência” num sentido especifico: ausência de tempo. Geralmente paciência significa: vá devagar, seja paciente, espere um pouco, não reaja apressadamente, aquiete-se, tenha calma, dê ao outro a oportunidade de se expressar, e assim por diante. Não estamos usando a palavra “paciência” nesse sentido. Estamos dizendo que paciência significa esquecer o tempo de modo que você possa olhar, possa observar; mas se observar através do tempo, será impaciente. Pode ser que você precise ter paciência para ler o próximo capítulo. Tempo é o fator do medo. Pensamento é tempo. Enquanto o pensamento estiver funcionando, você está condenado a ter medo.

O capítulo seguinte indaga: existirá uma interrupção do tempo, o fim do tempo? O tempo é o fator maior em nossa vida – não sou, mas serei; não sei, mas saberei; não sei essa língua particular, mas aprenderei, dê-me tempo. O tempo curará nossas feridas. O tempo embota a sensibilidade. O tempo destrói o relacionamento. O tempo destrói a compreensão porque a compreensão é imediata: não “aprenderei a compreender”. Por isso o livro está dizendo que o tempo desempenha um papel extraordinariamente importante em nossa vida. Nossos cérebros evoluíram através do tempo. Não é seu cérebro, ou meu cérebro, mas o cérebro humano, a mente humana, que é você. Você identificou esse cérebro como seu cérebro, como sua mente; mas não é sua mente ou seu cérebro, mas o cérebro humano, que evoluiu através de milhões de anos. Você vê que o cérebro, que é condicionado pelo tempo, pode unicamente operar no tempo. Estamos pedindo ao cérebro para fazer algo totalmente diferente. O livro afirma que seu cérebro, sua mente, funcionam no tempo. O tempo desempenhou um papel importante em sua vida. Não é solução de problema algum, exceto problema tecnológicos. Não o use para solucionar um problema – entre você e a sua esposa, entre você e seu emprego, assim por diante. É muito difícil compreender isso. Por favor, consagre sua mente a isso, a ler o livro apropriadamente.

Assim o livro pergunta: pode o tempo acabar? Se você não puser um fim a ele, o medo prosseguirá, com todas as suas conseqüências. E o livro diz: não pergunte como dar-lhe fim. Você não pode perguntar a alguém como acabar com o medo; ele não leu o livro, ele lhe dará apenas uma teoria. Pergunto-me se você compreende isso. Essa é a verdadeira meditação. Meditar é inquirir se o tempo pode parar. O orador diz que pode e que isso acontece; o orador diz isso, não o seu livro. O orador afirma que o tempo termina. Mas se acreditar nisso, você não está lendo o seu livro, estará vivendo apenas de palavras, e viver de palavras não dissolve o medo. Por isso você tem de ler o livro do tempo – entrar nele e explorar a natureza do tempo, ver como você reage ao tempo, como seu relacionamento é baseado no tempo. Mergulhe nisso. Isso significa que conhecimento é tempo. Se você está usando o conhecimento como um meio de avanço, está aprisionado ao tempo e, portanto, o medo, a ansiedade e o processo inteiro seguem em frente. Para inquirir sobre a natureza do fim do tempo, requer-se uma mente silenciosa, uma mente livre para observar, não amedrontada, livre para observar o movimento do tempo em você mesmo, como você depende dele. Se alguém lhe dissesse que não existe tal coisa como a esperança, você ficaria horrorizado, não ficaria? Compreende o que estou dizendo? Esperança é tempo.

Assim, você tem de investigar a natureza do tempo e compreender que seu cérebro, sua mente e seu coração, que são um, estão funcionando no tempo. Eles estão condicionados ao tempo e, portanto, você está pedindo algo totalmente novo. Você está pedindo ao cérebro, e à mente, para funcionar de outra forma e isso requer grande atenção.

Paz Interior (Eckhart Tolle)


“Pensar fragmenta a realidade, cortando-a em pequenos pedaços que são os conceitos. A mente pensante é útil e poderosa, mas torna-se muito limitadora quando invade completamente sua vida, impedindo você de perceber que a mente é apenas um pequeno aspecto da Consciência que você é realmente.”

“Sempre que você mergulha em pensamentos compulsivos, está impedindo o que existe. Você está se negando a estar onde está: Aqui. Agora.”

“Despertar espiritualmente é despertar do sonho do pensamento. Quando você deixa de acreditar em tudo o que pensa, você sai do pensamento e vê claramente que quem está pensando não é quem você é realmente.”

“Quando a mente fica entediada, quer satisfazer sua fome lendo um livro, assistindo à TV, navegando na internet. A alternativa é aceitar o tédio e a ansiedade e observar como é sentir-se entediado e ansioso. À medida que você se dá conta dessa sensação, surge um espaço arejado e uma calma em volta da sensação. O tédio, a ansiedade, a raiva, a tristeza e o medo não são seus. Eles são estados da mente. É por isso que vão e voltam. Nada que vai e volta é você.”

“Estou triste. Quem percebe isso? Estou com medo. Quem percebe isso? Você é a pessoa que percebe isso. Você não é os seus sentimentos.”

“No estado de calma e consciência, se você precisar da mente para um fim prático, ela estará presente. Na verdade a mente funciona muito bem quando a inteligência maior e real que é você se expressa através dela, como uma ferramenta.”

“Aprenda a sentir-se à vontade dentro do não-saber. A mente teme o não-saber, mas um conhecimento mais profundo que não é baseado em qualquer conceito vai emergir desse estado.”

“A mente está sempre querendo alimentar-se para continuar pensando. Ela procura alimento para sua própria identidade, para seu sentido de ser. É assim que o ego se cria e recria continuamente."

“Você se dá conta de que esse ego é fugaz e passageiro? Quem percebe isso? É o Eu-Sou. Esse é o seu eu mais profundo, que não tem nada a ver com o passado e o futuro. Quando você se dá conta de que existe uma voz na sua cabeça que pretende ser você e não pára de falar, percebe que você vem se identificando com a corrente do pensamento. Quando percebe a existência dessa voz, você compreende que não é essa voz, mas a pessoa que a percebe. Ter liberdade é saber que você é a consciência por trás dessa voz."


[...]


Você não encontra a paz reorganizando os fatos da sua vida, mas sim descobrindo quem você é no nível mais profundo. A reencarnação não ajuda se na próxima encarnação você continuar sem saber quem é. Você não possui uma vida, você é a vida. Você é a consciência única que permeia todo o universo e assume temporariamente a forma de pedra, folha, animal, pessoa, estrela ou galáxia. No fundo você já sabe disso. Você já é isso.

Você precisa de tempo para fazer a maioria das coisas na vida: aprender, construir… Mas o tempo é inútil para a coisa mais valiosa, que é a realizaçao pessoal, o auto-conhecimento. Você não pode encontrar a si mesmo no passado nem no futuro. O único lugar onde você pode se encontrar é Agora.

Os que buscam uma dimensão espiritual querem a auto-realização ou a iluminaçao no futuro. Ser uma pessoa que está em busca de algo significa que você precisa do futuro. Se é nisso que você acredita, isso se torna verdade pra você. Precisará de tempo até perceber que não precisa de tempo para ser quem você é.

O pensamento e a linguagem criam uma aparente dualidade, como se houvesse uma pessoa e uma consciência separadas. Como se a pessoa tomasse consciência das coisas que sente ou pensa. Isso não existe. Você é a consciência na qual e através da qual todas as coisas existem. Perceba-se como a consciência na qual todo o conteúdo da sua vida se desdobra.

Você é a consciência através da qual tudo é conhecido. Você não pode conhecer a si mesmo, porque você é a própria consciência. O “eu” não pode se transformar num objeto de conhecimento, de consciência. E “eu” é a própria consciência.

Quando você se torna um objeto de estudo para si mesmo, surge a ilusão do “eu” auto-centrado, porque você fez de si mesmo um objeto. “Este sou eu”, você diz. A partir dessa afirmação você passa a ter uma relação com você mesmo e a contar para os outros, e pra si mesmo, a sua história.

Quando você percebe que é a consciência na qual a vida externa acontece, você se torna independente do que existe externamente e perde a necessidade de buscar sua identidade nos fatos, lugares e situações. As coisas que acontecem e deixam de acontecer perdem a importância, perdem peso e gravidade. Sua vida passa a ter outra graça e leveza. O mundo passa a ser visto como uma dança de formas, só isso.